12.3.25

11 MARÇO 1975

Há 50 anos estava numa aula de inglês, no BTA, pela hora do almoço. Ouvi os aviões e percebi que era  importante face à realidade da época. Fui para a sede do PCP na rua António Serpa. Havia muita gente na rua e os dirigentes do PCP saíram. Juntei-me ao Pedro Soares com quem então trabalhava e, com mais dois camaradas, partimos num carro para a zona oriental de Lisboa. Junto ao então Ralis, um regimento que tinha sido atacado pelos aviões e por várias companhias de paraquedistas. Os paraquedistas não chegaram a atacar tendo ficado por um diálogo muito emotivo. Subi a pé uma ravina e fui perguntar aos populares que se encontravam à porta do RALIS como estavam as coisas. Disseram-me que estava tudo calmo e que os paraquedistas tinham ido para o aeroporto. O Pedro Soares mandou logo seguir para o aeroporto.

Na época, a frente do aeroporto tinha um teto pouco alto onde se encontravam paraquedistas armados. Também havia um porteiro fardado que facilmente nos facultou a entrada. Percorremos um corredor, perguntámos onde estavam os paraquedistas  Na zona de segurança de embarque, um oficial da Guarda Fiscal fez a continência e informou que os comandantes dos paraquedistas se encontravam lá dentro nas instalações julgo que da Guarda Fiscal. Solicitado para que os fosse chamar partiu logo e regressou com os comandantes - 3 Capitães e um Major se não me falha a memória. O Pedro Soares fez-lhes algumas perguntas a que eles responderam gaguejando um pouco. Surgiu então um Alferes paraquedista em grande corrida pelo corredor até nós e disse-nos: já vi que tomaram o aeroporto mas nós no COPCON estamos preocupados com o que vocês tomaram mais. 

Soubemos assim que tínhamos tomado o aeroporto... 




18.2.25

 A MINHA GUERRA IV

Perigosas eram as colunas motorizadas pela picada principal , quase sempre para abastecimento em Mueda.    Nos primeiros tempos que eram os favoritos da Frelimo, as colunas da Companhia foram atacadas  com fornilhos (explosivos), minas e emboscadas. Aí sofremos on nossos mortos e feridos em combate, as outras baixas foram por acidentes vários.    O meu grupo sofreu a primeira -  fornilhos que destruiram completamente a viatura da frente, um jipe,  causando mortos e feridos.

Aprendemos nesse dia o que nos devia ter sido ensinado em Portugal - a viatura da frente deve ser um veículo pesado com atrelado reforçados com sacos de areia.

Quando voltámos em nova coluna  tive que subir para a primeira viatura e ir como apontador da metralhadora pesada apesar de nunca antes ter sequer avistado tal arma.  Nesse dia não era possível  indicar outros para essa missão - estavam demasiado frescas as memórias da véspera.


17.2.25

A MINHA GUERRA III

 Voltando às patrulhas, quero registar que encontrei numa picada, entalhado numa ranhura dum ramo pendente, uma bandeirinha da Frelimo e uma mensagem impressa dirigida aos soldados portugueses explicando que eles combatiam contra o colonialismo português e não contra Portugal ou os portugueses. Acho que ainda os tenho entre  os meus papéis.

Quanto às armadilhas com granadas instantâneas que já referi, quero acrescentar que, nas minhas, nunca caiu nenhum guerrilheiro ou "turra" como eram chamados. Caíram sim, alguns javalis que muito melhoraram o rancho e dois leopardos, de um dos quais tenho a pele cá em casa. O outro ofereci-o ao colega que fazia o mesmo que eu, apesar dos oficiais se acharem com direito às peles sem correrem os riscos pertinentes, mas não tiveram sorte nenhuma.

Segundo a "voz da caserna" informação interna dos soldados normalmente certa, os homens da Frelimo não  cairam  nas armadilhas  porque eles viam tudo o que nós  fazíamos. E é uma boa explicação para muita coisa.

16.2.25

A MINHA GUERRA COLONIAL II

Em Muidumbe, como furriel atirador, fazia regularmente rondas nocturnas aos postos de sentinela, batidas ao campo de aviação para ver se não havia minas, abastecimento de água e mais um pormenor ou outro. Mas as tarefas principais eram as patrulhas pelas picadas e as colunas motorizadas para ir buscar abastecimento a Mueda. 
Por norma, as patrulhas eram feitas por um grupo de combate ou pelotão - 20 e tal soldados e cabos, 2 furrieis e um alferes milicianos. Era pois, uma guerra de milicianos e soldados, todos amadores. 
As numerosas patrulhas pelas picadas pedonais em que participei foram pacíficas. Apenas uma vez tive que levantar uma armadilha - uma granada de mão e um fio de tropeçar na picada. O homem da frente teve bom olho e a minha parte foi fácil. 
As patrulhas que duraram 2 dias tiveram o grande inconveniente de dormir no mato, no chão por vezes molhado - muito desconfortável. 
Com mais história foram algumas patrulhas pela picada das viaturas, que se fizeram para proteger colunas motorizadas que vinham depois. Uma noite à partida para uma daquelas patrulhas, não havia maneira de decidir quem iria à frente porque, diziam os soldados, a emboscada era certa uma vez que tinha havido muito movimento de viaturas e a Frelimo via tudo. Num impulso, com a arma em riste, pus-me a caminho sem olhar para trás. O pessoal teve que me seguir embora com distância. Duas ou três horas depois, já próximo do fim que nos havia sido marcado, e quando começou a clarear, pensei - já posso fumar um cigarro - e levei a mão ao bolso, ficando com espingarda mal segura, só numa mão. 
Então rebentou o Mundo, o sopro das granadas atirou-me de cu para o chão e senti vibrar o chão da picada com a entrada das balas. Não sofri nem um arranhão. Após a aproximação dos primeiros soldados, entrámos no mato e vimos um pequeno abrigo com 2 carregadores vazios de espingarda automática, muitas cápsulas de balas e várias cavilhas de granada. Tive enorme sorte. Houve quem dissesse que tinha uma estrelinha na cabeça. 








 A MNHA GUERRA COLONIAL

O meu neto e a minha neta acharam muito engraçada a pele de leopardo que lhes mostrei. Talvez um dia queiram saber mais sobre a participacão do avô na guerra colonial.

Embarquei  em Lisboa no paquete Vera Cruz em 12 Janeiro 1966.

Era um jovem furriel miliciano atirador formado na Escola Practica de Cavalaria de Santarém. Não sabia nada de guerra e muito pouco da vida. .Tinha a cabeça cheia de livros mal lidos e achava que a guerra era uma aventura tipo Hemingway.

Nos primeiros dias vomitei as tripas.  A instalações, julgo que de 2ª classe,  eram razoáveis e a. comida excelente, a melhor que a tropa me deu em 4 anos.

A viagem foi longa. Escala em Luanda, Lourenço Marques e Nacala e desembarque em Mocimboa da Praia, Cabo Delgado. Logo de seguida, transporte para Mueda, sede do Batalhão, da base aérea e mais umas miudezas militares.  Era a terra dos Macondes. etnia valente e guerreira que tinha sido vitima de um massacre histótico - populacão reunida, com reivindicações,  frente ao posto do administrador que, para final de conversa, mandou os cipaios disparar sobre a muitidão.  Os Macondes fugiram então para  o mato e para a Tanzania e viriam a constituir a melhor  parte dos guerrilheiros da Frelimo.

Em Mueda troquei de arma com um membro da companhia que fomos render - entreguei a velha mauser - e recebi uma FN belga, irmã da nossa G3. Julgo que fui o único a receber a FN - acasos,

Não sei como, coube à minha secção, 9 ou 10 homens,  ir guarnecer as águas de Mueda. Isolados, um pequeno acampamento no meio do mato e mal defendido, achei eu.

Aguentámos, talvez uma semana e não aconteceu nada.  Outros com menos sorte foram lá atacados pela guerrilha.

Logo de seguida, coluna militar. pela estrada de terra batida, alguns kilómetros de mato e chegada a Mui.dumbe - a nossa casa cerca de um ano.

Muidumbe era então um quartel militar com algumas casas, um pequeno e rudimenter campo de aviaçao e umas palhotas no centro. Os oficiais e sargentos ocuparam a melhor casa, que tinha pertencido ao administrador; os furrieis amontoaram-se numa pequena casa sem portas nem janelas e os soldados foram para os grandes barracões de lata.

Nas outras casas, em mau estado,  tínhamos a cozinha e o forno rudimentares, os abastecimentos, as transmissões e o posto de enfermagem.

Em termos militares, mesmo um ignorante como eu, via logo que a defesa era muito deficiente - tudo o que havia era uns  abrigos, raros e de tamanho mínimo.  Mas Muidumbe nunca foi atacada no nosso tempo. Julgo que nos valeram as armadilhas com granadas instâtaneas que eu e outro colega com um curso ridículo de minas e armadilhas, colocámos em todas as picadas de acesso e nas clareiras das redondezas. E devo dizer que colocar e levantar   armadilhas  destas, é extremamente perigoso. Mais do que uma vez estive a milimetros de as accionar como aconteceu noutros lados com as respectivas consequências.

A alimentação era igual para toda a gente e, é claro, muito deficiente. Raramente havia alguma coisa que não fosse salsichas e carne afiambrada com arroz ou massa. Algumas vezes a minha refeiçao foi uma lata grande de fruta que se dizia ser. oferecida pela África do Sul mas que para nós era paga. De manhã cedo podíamos comer  mangas que caíam das mangueiras durante a noite. eram poucas mas boas.Eu também apreciava as rações de combate porque tinnham um pouco de chouriço e queijo mas isso era só  quando íamos para o mato Por sorte havia um soldado ou cabo que era um óptimo padeiro. Nós tínhamos bom pão e ele  livrou-se de ir para o mato.  Havia uma nascente de água a pouca distância do quartel, na descida para o vale e todos os dias ia um grupo fazer o abastecimento que dava para o gasto geral com banhos rápidos. Quando chovia o suficiente havia banho colectivo na rua.

No quartel a "mão de obra especialiata" formada pelo Exército em poucos meses, era constituída pelos furrieis milicianos, um de Transmissões, outro de Mecânica tambémo o Vagomestre e ainda o Enfermeiro. A propósito, dizia-se que a cada companhia cabia um médico mas ficaram todos em Mueda , por  isso o enfermeiro era o nousso doutor como lhe chamávamos com amizade.