28.11.09
CRÓNICAS DE VIDA - SINDICALISMO NO TOTTA
Apesar das lutas sindicais desenvolvidas pelos bancários, verificavam-se bloqueios na negociação colectiva em consequência da aliança estreita entre o grémio e o governo, este alicerçado nas respectivas policias.
Tornou-se assim necessário avançar com reivindicações, nomeadamente salariais, em cada banco.
No Totta não ficámos para trás.
Graças à forte consciência social já adquirida e com base numa boa rede de delegados e de activistas sindicais, foi lançado um forte movimento reivindicativo pelo aumento dos salários.
A conclusão verificou-se em Março de 1974 ´- já cheirava a cravos.
Conseguimos um mês de salário extra com o mínimo de 8.000$00. A ordem de serviço acima reproduzida é o certificado da vitória.
A honra principal vai para a Comissão de Delegados Sindicais e aqui fica a sua primeira constituição:
Francisco Patrício
Carlos Grilo
Jaime Félix
Flores Tavares
Carlos Martins
25.11.09
CRÓNICAS DE VIDA - SINDICALISMO E RESISTÊNCIA
Para os que nasceram já na Liberdade conquistada, e para que percebam melhor os posts anteriores, transcrevo, da circular cujo cabeçalho acima reproduzo:
" DOIS CASOS DE TORTURA
Transcrevemos a seguir dois relatos das torturas sofridas por presos políticos na DGS (pide), durante o ano de 1971
.......
2. Daniel Isidro Figueiras Cabrita
" Isolamento: 76 dias em regime de isolamento, 70 dos quais completamente só.
Interrogatório: tortura do sono durante 22 dias sendo distribuídos 4-13-1-2-1-1 . No período
dos 13 dias deixaram-me dormir à 5ªnoite na própria sala dos interrogatórios.
Esta tortura provocou-me alucinações . Tortura de estátua - estive por tempo que sou incapaz
de determinar, embora julgue que não foi por muito tempo. Provocou-me grande inchaço nos
pés e "aparecimento das veias" por todo o corpo. Um dos sapatos rebentou. Fui agredido - uma bofetada e recebi ameaça de agressão com matraca (exibindo-a junto da minha cara), durante a tortura do sono, senti fortes perturbações na visão. Também neste período, porque me obrigaram a andar para não cair de sono, fui, a "dormir" contra uma das paredes da sala, provocando forte contusão no nariz com pequena hemorragia.
Visitas: concederam-me apenas, durante o período de isolamento, 1 visita semanal...
Perturbações físicas: após os interrogatórios: fortes manifestações reumáticas...
... atribuo o reumatismo à humidade da sala de interrogatórios aliada ao facto de me obrigarem aí a quase completa imobilidade por grandes períodos de tempo.
....por último, resta acrescentar que a minha detenção foi feita por 2 agentes da Pide, sem que me apresentassem mandato de captura, seguidamente, sem mandato, foi-me passada busca na minha residência... "
Daniel Cabrita era então presidente do Sindicato dos Bancários. Eleito em 12 de Março de 1968.
22.11.09
AMIGOS - FERNANDO HENRIQUES - MEMÓRIA
Sem mácula
Como trabalhador, como amigo e como camarada foi sempre o melhor, o mais disciplinado o mais constante e cumpridor.
E o mais modesto. Raramente falava. Nunca se pôs em bicos dos pés.
No banco prescindiu de lugares de chefia. Bastava-lhe o seu trabalho exacto e sem erros. O Banco de Portugal - exigentíssimo ao nível do trabalho de carteira - nunca tinha nada a apontar ao seu trabalho no "redesconto".
No trabalho partidário, no apoio ao trabalho sindical, nunca teve uma falha.
Sempre presente. Sem mácula.
A UBR - União de Bancários Reformados não existiria sem o trabalho que o Fernando fez.
Metódico e trabalhador incansável, a tudo metia mãos.
Tratou da tesouraria, fez as fichas, os cartões, a correspondência, os primeiros comunicados.
Simplesmente as coisas apareciam feitas.
Um pouco individualista, talvez. Mas como não o ser, se fazia quase tudo em casa?
Além disso há tarefas que são como os bons cozinhados - só podem ter um autor.
Há meia dúzia de anos, o pequeno número de velhos camaradas que se vê na foto comemorou, na Casa do Alentejo, um aniversário do Fernando Henriques.
Nunca tivemos ideia melhor.
20.11.09
AMIGOS - FRANCISCO PATRÍCIO - MEMÓRIA
Chico coragem
Os anos 69 a 74 do século XX foram , em Portugal, um quinquénio memorável para a minha geração que ia então entre os vinte e os trinta anos e portanto tinha nascido e vivido na era da ignorância e do medo.
Graças à censura e ao ensino iníquo que vigoravam, não sabíamos nada do que se passava no país e no mundo.
E o medo estava sempre presente, desde sempre. Primeiro dos polícias da rua, dos professores, dos padres. Mais tarde, dos patrões, da pide, dos bufos, da polícia de choque.
Foi pelo medo e pela ignorância geral que o regime fascista e colonialista se manteve durante 48 anos.
Ser ignorante é terrível. Viver com medo ainda é pior.
Nunca hei-de esquecer a primeira grande lição do amigo e camarada Francisco Patrício: - "um homem de joelhos só vale 1/3 ".
Com o Chico aprendi a vencer o medo. Talvez melhor, a fazer o que era preciso e era justo, apesar do medo.
Com o Chico participei em muitas lutas sindicais, manifestações de rua, sessões de cinema clandestino em casas particulares, no Cineclube Imagem, em romagens de 5 de Outubro ao alto de S. João, nas campanhas da CDE, em todo o tipo de reuniões, desde tascas do bairro-alto ao palácio do Marquês de Fronteira.
E na empresa, claro. No departamento de estrangeiro do Totta era do Patrício a voz que se fazia ouvir nos momentos importantes. Era dele a grande gravata vermelha - manifestação possível no 1º de Maio.
Homem de grande coragem física e moral, o Chico estava sempre na linha da frente. Alguma indisciplina e alguma anarquia que temos que reconhecer-lhe, filiavam-se na sua grande ânsia de liberdade.
Nada o sujeitava, nada o limitava. Generoso e livre entregava-se totalmente - ao sindicato, ao cinema, à reforma agrária, a tudo. Inevitavelmente, bateu muitas vezes em muitas paredes. Mas viveu sempre como um homem livre, nunca ajoelhou.
Dizia-me, às vezes, nas reuniões, que eu estava sempre a olhar para a porta. E tinha razão.
A guerra colonial fora há pouco tempo e eu, em todo o lado, queria ter sempre uma parede nas costas e todas as saídas debaixo de olho.
Nas manifestações, colocava-me sempre em posição de fuga. Tinha especial medo dos cães que a polícia de choque, por vezes utilizava na sua primeira linha de ataque contra nós. Vinham de bocarra aberta, a babar-se, e dizia-se que os deixavam à fome quando esperavam saídas.
Lembro-me com exactidão de, na Rua do Ouro, a cabeça de uma manifestação estar a hesitar, a ameaçar debandar cedo demais e eu com eles, quando senti alguém dar-me o braço e fazer-me aguentar a primeira linha.
Olhei para o lado. Era o Chico Patrício. Claro.
15.11.09
AMIGOS - MEMÓRIA DE CARLOS GRILO ( I )
Simplesmente brilhante
No banco ou no sindicato, as reuniões e assembleias eram preparadas com atenção.
Discutiam-se os temas, as propostas, as intervenções. Indicavam-se os oradores.
O Carlos Grilo, absorto, observava o tecto, puxava a barba. Mesmo interpelado directamente para se encarregar de uma intervenção, respondia no máximo com uma interjeição.
Julgávamos que ele nem ouvia e portanto não ia falar.
Mas, na assembleia ou reunião, no momento oportuno, o Grilo pedia a palavra e a intervenção saía límpida e convincente. Simplesmente brilhante.
Haverá um ano, o Carlos veio almoçar comigo.
Recebeu muitos telefonemas porque o sector pelo qual respondia estava a organizar uma reunião importante.
Respondeu sempre de maneira muito clara e precisa.
Terminou sempre com uma nota de bom humor, uma pequena gargalhada.
Estava em grande forma.
Voltámos a encontrar-nos nos corredores do Campo Pequeno, durante o último Congresso.
Explicou-nos (éramos um pequeno grupo) que saía do C.C. porque era boa altura e porque havia que dar entrada a outros. Ele continuava disponível para tudo o que fosse preciso.
Não nos falou de doenças. Estávamos contentes. Trocámos piadas. Ouvi, pela última vez, aquela gargalhada forte e rápida.
Adeus, camarada.
14.11.09
AMIGOS - MEMÓRIA DE CARLOS GRILO ( V )
Nacionalização da Banca
Março de 1975.
Depois da nacionalização, reabrimos o Banco Totta & Açores.
Pela manhã, recebemos os colegas - entrava-se pela Rua da Conceição - e tu notaste que não se podia simplesmente entrar e ir trabalhar.
Com a nossa ajuda, trepaste para o balcão de mármore cinzento.
E disseste que tinha começado uma nova era. Que não se trabalhava mais para os banqueiros, para o velho grupo monopolista. A partir de então íamos trabalhar, com orgulho, para o povo português.
Todos te aplaudimos. Ainda hoje.
Obrigado, camarada Carlos Grilo.
13.11.09
AMIGOS - MEMÓRIA DE CARLOS GRILO ( I V )
Retaliação
Como retaliação pelo êxito das greves dos 5 minutos ( ver post) a Administração do BTA mandou instaurar uns quantos processos disciplinares.
Num gabinete do espectacular hall do edifício dos leões, o inspector quase nos pediu-nos desculpa - as lutas sindicais davam-nos já algum prestígio.
Foi um procedimento muito rápido - a greve tinha sido muito clara e nós assumimo-la.
Repreensões registadas. Nada de grave.
Anos mais tarde, com a Comissão Sindical relativamente forte, alguém se lembrou de exigir a anulação das repreensões e sua eliminação dos nossos cadastros.
Teve que ser o Carlos Grilo a opor-se.
Obviamente tinha razão.
As sanções estavam (ainda estarão?) muito bem nos nossos cadastros.
São pequenas medalhas duma guerra honrosa.
AMIGOS - MEMÓRIA DE CARLOS GRILO ( I I I )
Greves de 5 minutos
Nas reuniões das quartas-feiras, discutiu-se acaloradamente o tipo de greve a fazer.
Os "radicais" queriam grandes greves, de dia inteiro ou mais.
Os "realistas", com outras ligações e algum conhecimento de outras "guerras" bem duras, propunham acções de poucos minutos.
Foi preciso ir a votos. Ganharam os "realistas" - o Grilo e eu entre eles.
E as greves foram muito bonitas.
Em não sei quantos dias, no regresso da hora do almoço, foi possível concentrar muitos trabalhadores à porta dos bancos e aguentar, rigorosamente, os minutos marcados.
No BTA, na porta dos leões ( o Grilo e eu trabalhávamos então nesse edifício) tivemos a "ajuda" do director de pessoal e de um administrador. Vieram para a porta, aos gritos exigindo a entrada dos trabalhadores.
Com tal acção e derrotados, contribuíram fortemente para o enorme impacto da pequena/grande greve.
12.11.09
AMIGOS - MEMÓRIA DE CARLOS GRILO ( I I )
Pequena tarefa, grande vitória
Num já longínquo dia do início dos anos 70, o Carlos Grilo e eu, fomos distribuir um documento do MDP-CDE na baixa de Lisboa.
Por essa altura o movimento produzia muitos textos, sobre a guerra colonial, os presos políticos, a situação económica e social.
Normalmente eram distribuídos apenas no banco mais ou menos discretamente.
Mas daquela vez havia muito papel pelo que decidimos ir para a rua.
Obviamente não foi um acto heróico - já se respirava alguma abertura - mas a pide, os seus informadores, a legião, as polícias todas, estavam em funcionamento e ainda metiam medo, pelo menos a mim.
Lá fomos. À hora do almoço. Cada um com um molho de documentos. Começámos junto à Praça do Comércio, já não sei se na Rua do Ouro ou da Prata. Cada um em seu passeio, começámos a subir.
Ao princípio, os papéis custavam a sair-me das mãos - olhava muito para as caras dos receptores à procura de sinais de perigo. Mas olhava para o outro passeio e o Grilo avançava, sorria e fazia-me sinais de incitamento.
Foi uma pequena tarefa.
Mas para mim, foi uma grande vitória sobre o medo.
7.11.09
CRÓNICA DE UM BANQUEIRO ( X )
CRÓNICA DE UM BANQUEIRO ( l X )
O regabofe
Em 1982, no governo da AD e com João Salgueiro Ministro da Finanças, é subscrito o acordo para "devolução" dos bens a Jorge de Brito.
Algo como 6 milhões de contos.
Como a época lhe era propícia, Brito exige que a avaliação se faça com base nas cotações da bolsa de 1974 ( ver crónica V ).
O BIP foi avaliado em 2,4 milhões de contos - quase tanto como o Sottomayor.
O Banco de Portugal, que tinha contestado o acordo para tentar salvar o capital com o qual tinha socorrido o BIP, foi obrigado a desistir.
O Banco Pinto & Sottomayor, que tinha sido obrigado a absorver o BIP, ficou com os prejuízos.
6.11.09
CRÓNICA DE UM BANQUEIRO ( VIII )
A queda
Em Outubro de 1974, o Governo foi obrigado a intervir no BIP para evitar a bancarrota.
As reservas de caixa eram então de 43.000 contos quando o mínimo legal exigível era de 604.000.
Na Câmara de Compensação o BIP tinha deixado de pagar os seus cheques.
As responsabilidades de Jorge de Brito e respectivas empresas, para com o BIP, eram:
- livranças descontadas - 1,7 milhões de contos
- empréstimos em contas correntes - 2,1 milhões
- devedores por garantias e avales prestados - 1,1 milhões
- dívida não contabilizada - 850.000 contos
- dívida externa não contabilizada - 26.400.000 francos suiços.
Silva Lopes, profundo conhecedor do BIP como Governador de Banco de Portugal e Ministro das Finanças e ainda baseado em pareceres jurídicos, confirmará:
"a existência de burlas e falsificações, praticadas no âmbito das funções exercidas pelo presidente, mas também indícios de práticas criminosas na gestão do banco"
Julgado apenas por dois crimes, Brito foi condenado a 6 meses de prisão, quando já tinha cumprido 19 em preventiva.
5.11.09
CRÓNICA DE UM BANQUEIRO ( VII )
Mecenas do Glorioso
O futebol tinha, fatalmente, que cobrar o seu quinhão dos negócios BIP/Jorge de Brito.
Em 1973 foi a oferta da pista de tartan.
Depois, Jorge de Brito pagou jogadores e fez empréstimos sem retorno.
O empresário de futebol, Manuel Barbosa, dirá: "sempre que não havia dinheiro para contratações no Benfica, eu telefonava-lhe e ele dizia - traz, Manel, traz."
Brito foi presidente do Benfica em 1991/93.
A gestão foi catastrófica. As vedetas saíam do clube em consequência dos salários em atraso,
Foi o único presidente destituído em Assembleia Geral. Minutos depois foi eleito presidente honorário.
4.11.09
CRÓNICA DE UM BANQUEIRO ( VI )
O coleccionador
A fúria compradora de Jorge de Brito, com o dinheiro do BIP, também se fez sentir na arte.
Em pouco tempo reuniu uma enorme colecção de pintura - calcula-se que 3.000 obras.
Uma enorme colecção de Vieira da Silva e ainda Carlos Botelho, Eduardo Viana, Julio Pomar e muitos outros.
Também estrangeiros como Klee, Matisse, Braque...
Quando as coisas lhe começaram a correr mal, a colecção foi imediatamente "exportada" para a Suíça e um lote foi interceptado pela polícia espanhola pelo que ficou o registo da "operação".
Em 1983, Azeredo Perdigão queria, a todo o custo e a toda a velocidade, abrir o Centro de Arte Moderna da Fundação Gulbenkian.
Brito aproveita a urgência e vende-lhe 500 quadros.
E exige o pagamento em notas. Diz-se que para humilhar Perdigão. Talvez.
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