20.11.09

AMIGOS - FRANCISCO PATRÍCIO - MEMÓRIA

Chico coragem Os anos 69 a 74 do século XX foram , em Portugal, um quinquénio memorável para a minha geração que ia então entre os vinte e os trinta anos e portanto tinha nascido e vivido na era da ignorância e do medo. Graças à censura e ao ensino iníquo que vigoravam, não sabíamos nada do que se passava no país e no mundo. E o medo estava sempre presente, desde sempre. Primeiro dos polícias da rua, dos professores, dos padres. Mais tarde, dos patrões, da pide, dos bufos, da polícia de choque. Foi pelo medo e pela ignorância geral que o regime fascista e colonialista se manteve durante 48 anos. Ser ignorante é terrível. Viver com medo ainda é pior. Nunca hei-de esquecer a primeira grande lição do amigo e camarada Francisco Patrício: - "um homem de joelhos só vale 1/3 ". Com o Chico aprendi a vencer o medo. Talvez melhor, a fazer o que era preciso e era justo, apesar do medo. Com o Chico participei em muitas lutas sindicais, manifestações de rua, sessões de cinema clandestino em casas particulares, no Cineclube Imagem, em romagens de 5 de Outubro ao alto de S. João, nas campanhas da CDE, em todo o tipo de reuniões, desde tascas do bairro-alto ao palácio do Marquês de Fronteira. E na empresa, claro. No departamento de estrangeiro do Totta era do Patrício a voz que se fazia ouvir nos momentos importantes. Era dele a grande gravata vermelha - manifestação possível no 1º de Maio. Homem de grande coragem física e moral, o Chico estava sempre na linha da frente. Alguma indisciplina e alguma anarquia que temos que reconhecer-lhe, filiavam-se na sua grande ânsia de liberdade. Nada o sujeitava, nada o limitava. Generoso e livre entregava-se totalmente - ao sindicato, ao cinema, à reforma agrária, a tudo. Inevitavelmente, bateu muitas vezes em muitas paredes. Mas viveu sempre como um homem livre, nunca ajoelhou. Dizia-me, às vezes, nas reuniões, que eu estava sempre a olhar para a porta. E tinha razão. A guerra colonial fora há pouco tempo e eu, em todo o lado, queria ter sempre uma parede nas costas e todas as saídas debaixo de olho. Nas manifestações, colocava-me sempre em posição de fuga. Tinha especial medo dos cães que a polícia de choque, por vezes utilizava na sua primeira linha de ataque contra nós. Vinham de bocarra aberta, a babar-se, e dizia-se que os deixavam à fome quando esperavam saídas. Lembro-me com exactidão de, na Rua do Ouro, a cabeça de uma manifestação estar a hesitar, a ameaçar debandar cedo demais e eu com eles, quando senti alguém dar-me o braço e fazer-me aguentar a primeira linha. Olhei para o lado. Era o Chico Patrício. Claro.

3 comentários:

Katiuska disse...

De tantas memórias bonitas que tenho do meu pai, desconhecia esta frase fantástica. Ele criava frases fortes e também reproduzia fortes frases. Ambas com o mesmo vigor!
Faz-me falta meu pai, falta ao mundo homens como meu pai!
Obrigada.
Carla Patrício

Unknown disse...

Só o conheci muito depois do 25 de Abril. Já decorria a década de 80.
A minha luta sindical, nos vidreiros e consubstanciada às empresas de fabrico artesanal daquele sector na Marinha Grande, não me permitiu conhecer o Francisco Patrício mais cedo.
Conhecemo-nos no Parque de Campismo da Campiférias de Vila Nova de Mil Fontes.
Foi lá que também conheci a sua filha e minha querida amiga e camarada Carla.
Vivi com ele momentos inesquecíveis e sempre com um forte vínculo às manifestações operárias e de outros trabalhadores, nomeadamente dos serviços, que era a sua área profissional.
Tanto que eu gostava de ainda hoje poder estar à conversa com ele e a beber um copo.
Que a terra lhe seja leve e descanse em paz.

Alexandre Júlio disse...

Linda Homenagem ao Chico Patrício, que infelizmente não conheci, mas conheço e sou amigo da sua filhota, Carla Patrício, que tão bem encarnou o espirito lutador do seu pai. Bem hajam Família Patrício, beijinho para a Carla!!! Alex.