Há dias fui chamado ao quartel aqui da terra para depor sobre um processo de "stress pós traumático de guerra" relativo a um soldado do qual obviamente não me lembro.
Entre os episódios que o marcaram, conta ele que durante uma emboscada que nos causou alguns mortos e feridos, lhe caiu em cima uma bota ensanguentada.
Deve ser verdade porque o pequeno jipe que ia na frente da coluna foi pelos ares juntamente com os soldados que o ocupavam.
Foi um erro gravíssimo por ignorância e total inexperiência de todos nós.
Só então aprendemos que na frente da coluna se coloca um camião pesado e mesmo assim reforçado com sacos de areia (até junto aos pés do condutor) para aguentar o impacto das minas ou explosivos. Para se ver como todos os pormenores são importantes, acrescento que o camião levava um reboque também reforçado com sacos de areia, porque o respectivo rodado, sendo mais estreito que o do camião, detonava engenhos explosivos que de outro modo rebentariam com a segunda viatura.
Claro que um pouco de informação ou instrução adequada, ou a presença de alguém com experiência, podia ter evitado este e outos erros iniciais e poupado algumas vidas.
A foto não é minha mas as picadas de Mueda eram exactamente assim com o mato a impedir toda a visibilidade. Também era exactamente assim que se procedia, saltar quando havia tiros ou rebentamentos, e garanto que não era preciso mandar - era automático e rapidíssimo.
21.6.11
20.6.11
MEMORIAS DE UMA GUERRA QUE NÃO DEVIA TER ACONTECIDO (II)
Esta pequena bandeira de papél foi recolhida numa picada, no planalto de Mueda, em 1966.
Estava dobrada, e entalada numa ranhura aberta num ramo de arbusto pendente sobre a picada, mesmo a jeito de ser apanhada.
Estava acompanhada por um pequeno folheto explicando aos soldados portugueses que a guerra não era contra eles mas sim contra o colonialismo português.
Estava dobrada, e entalada numa ranhura aberta num ramo de arbusto pendente sobre a picada, mesmo a jeito de ser apanhada.
Estava acompanhada por um pequeno folheto explicando aos soldados portugueses que a guerra não era contra eles mas sim contra o colonialismo português.
19.6.11
MEMÓRIAS DE UMA GUERRA QUE NÃO DEVIA TER EXISTIDO
Já lá vão 45 anos. Mas recordo-me como se tivesse sido ontem.
A cavilha de granada chinesa que se vê na imagem, continua comigo. As outras, bem como os 2 carregadores curvos das automáticas também chinesas foram entregues a quem de direito.
Na madrugada de 11 de Julho de 1966 caminhava eu pela picada Muidumbe/Miteda, bem isolado na frente da coluna porque os soldados sabiam que ia haver ataque e naquela noite não havia força nem argumentos que os colocassem na frente.
Tinha havido muito movimento no acampamento, ia partir uma coluna de viaturas que a nossa patrulha apeada ia proteger, e os nossos soldados/camponeses de instintos apurados, sentiam que o pessoal da Frelimo observava tudo e não ia perder a oportunidade.
Depois de caminhar 2 ou 3 horas no escuro com a minha espingarda belga FN bem aperreada nas duas mãos, vi que amanhecia e finalmente podia fumar um cigarro. Levei a mão esquerda ao bolso da camisa e fiquei com a arma mal segura na mão direita.
Então rebentou o mundo. Várias explosões à minha frente atiraram-me de cu para a picada. Sentado e completamente estupidificado senti o chão a estremecer junto às pernas com o impacto das balas. Nenhuma bala, nenhum estilhaço de granada me acertou.
Quando alguns soldados se acercaram finalmente de mim, entrámos no mato e, a poucos metros, vimos o abrigo simples dos guerrilheiros e as cavilhas das granadas e os dois carregadores vazios.
Sorte pura.
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