27.8.09

CRÓNICAS DO CHÁ ( II )


OS APANHADORES DE CHÁ

Em grupos organizados, caminham através dos estreitos carreiros entres as plantas, com as duas mãos colhem os rebentos e atiram-nos para dentro dos grandes cestos que transportam às costas - são os apanhadores de chá.
Não falam, nem riem. Mecanicamente executam o trabalho e ninguém sabe o que pensam.
A meio do dia chega a camioneta. Capatazes e ajudantes cruzam três paus ao alto, penduram a balança, pesam os cestos e registam o resultado. Os apanhadores não olham. Não vale a pena. Sabem que não podem discutir o peso, nem o pagamento. Nem qualquer outra coisa. Sentam-se no chão e comem a ração que lhes é distribuída - um prato de mandioca e algum peixe seco. Toda a gente sabe que preto não gosta de galinha, como as senhoras brancas explicam.

Vieram de aldeias distantes. Deixaram as famílias e as machambas (hortas familiares). Foram recrutados à força pelos administradores portugueses, com a ajuda dos sipaios moçambicanos devidamente armados. Era a lei.

Tudo começou com a atribuição de terras a colonos brancos por longos períodos - "os prazos" que às vezes se mediam em gerações.
Pelo seu lado, os povos indígenas tinham que pagar impostos - "de palhota" e individual. Dinheiro não tinham, géneros só para comer, inventou-se o pagamento em trabalho - sobretudo arranjavam caminhos o que não era mau e beneficiava a comunidade.
Depois, os colonos ou "prazeiros" começaram a entrar em dificuldades e venderam os "prazos". Assim chegaram as empresas interessadas nos produtos tropicais.
Eram constituídas por capitalistas portugueses mas sobretudo estrangeiros, estes já ligados às grandes empresas dos seus países.
De início os trabalhadores eram recrutados para trabalhar para o estado e, em seguida, desviados para as plantações (além do chá também coqueiros, sisal, algodão e cana sacarina)
Depois, a lei foi "aperfeiçoada" - nestas e noutras matérias distinguiram-se os governadores Augusto de Castilho e António Enes que constam dos livros de história - e os indígenas ficaram obrigados a trabalhar para as empresas.
Chamavam-se, ironicamente, "os contratos" mas não estabeleciam nenhum direito para os trabalhadores.
As empresas já tinham a terra quase de graça. A mão-de-obra, agora, também.

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