A MNHA GUERRA COLONIAL
O meu neto e a minha neta acharam muito engraçada a pele de leopardo que lhes mostrei. Talvez um dia queiram saber mais sobre a participacão do avô na guerra colonial.
Embarquei em Lisboa no paquete Vera Cruz em 12 Janeiro 1966.
Era um jovem furriel miliciano atirador formado na Escola Practica de Cavalaria de Santarém. Não sabia nada de guerra e muito pouco da vida. .Tinha a cabeça cheia de livros mal lidos e achava que a guerra era uma aventura tipo Hemingway.
Nos primeiros dias vomitei as tripas. A instalações, julgo que de 2ª classe, eram razoáveis e a. comida excelente, a melhor que a tropa me deu em 4 anos.
A viagem foi longa. Escala em Luanda, Lourenço Marques e Nacala e desembarque em Mocimboa da Praia, Cabo Delgado. Logo de seguida, transporte para Mueda, sede do Batalhão, da base aérea e mais umas miudezas militares. Era a terra dos Macondes. etnia valente e guerreira que tinha sido vitima de um massacre histótico - populacão reunida, com reivindicações, frente ao posto do administrador que, para final de conversa, mandou os cipaios disparar sobre a muitidão. Os Macondes fugiram então para o mato e para a Tanzania e viriam a constituir a melhor parte dos guerrilheiros da Frelimo.
Em Mueda troquei de arma com um membro da companhia que fomos render - entreguei a velha mauser - e recebi uma FN belga, irmã da nossa G3. Julgo que fui o único a receber a FN - acasos,
Não sei como, coube à minha secção, 9 ou 10 homens, ir guarnecer as águas de Mueda. Isolados, um pequeno acampamento no meio do mato e mal defendido, achei eu.
Aguentámos, talvez uma semana e não aconteceu nada. Outros com menos sorte foram lá atacados pela guerrilha.
Logo de seguida, coluna militar. pela estrada de terra batida, alguns kilómetros de mato e chegada a Mui.dumbe - a nossa casa cerca de um ano.
Muidumbe era então um quartel militar com algumas casas, um pequeno e rudimenter campo de aviaçao e umas palhotas no centro. Os oficiais e sargentos ocuparam a melhor casa, que tinha pertencido ao administrador; os furrieis amontoaram-se numa pequena casa sem portas nem janelas e os soldados foram para os grandes barracões de lata.
Nas outras casas, em mau estado, tínhamos a cozinha e o forno rudimentares, os abastecimentos, as transmissões e o posto de enfermagem.
Em termos militares, mesmo um ignorante como eu, via logo que a defesa era muito deficiente - tudo o que havia era uns abrigos, raros e de tamanho mínimo. Mas Muidumbe nunca foi atacada no nosso tempo. Julgo que nos valeram as armadilhas com granadas instâtaneas que eu e outro colega com um curso ridículo de minas e armadilhas, colocámos em todas as picadas de acesso e nas clareiras das redondezas. E devo dizer que colocar e levantar armadilhas destas, é extremamente perigoso. Mais do que uma vez estive a milimetros de as accionar como aconteceu noutros lados com as respectivas consequências.
A alimentação era igual para toda a gente e, é claro, muito deficiente. Raramente havia alguma coisa que não fosse salsichas e carne afiambrada com arroz ou massa. Algumas vezes a minha refeiçao foi uma lata grande de fruta que se dizia ser. oferecida pela África do Sul mas que para nós era paga. De manhã cedo podíamos comer mangas que caíam das mangueiras durante a noite. eram poucas mas boas.Eu também apreciava as rações de combate porque tinnham um pouco de chouriço e queijo mas isso era só quando íamos para o mato Por sorte havia um soldado ou cabo que era um óptimo padeiro. Nós tínhamos bom pão e ele livrou-se de ir para o mato. Havia uma nascente de água a pouca distância do quartel, na descida para o vale e todos os dias ia um grupo fazer o abastecimento que dava para o gasto geral com banhos rápidos. Quando chovia o suficiente havia banho colectivo na rua.
No quartel a "mão de obra especialiata" formada pelo Exército em poucos meses, era constituída pelos furrieis milicianos, um de Transmissões, outro de Mecânica tambémo o Vagomestre e ainda o Enfermeiro. A propósito, dizia-se que a cada companhia cabia um médico mas ficaram todos em Mueda , por isso o enfermeiro era o nousso doutor como lhe chamávamos com amizade.