12.3.25

11 MARÇO 1975

Há 50 anos estava numa aula de inglês, no BTA, pela hora do almoço. Ouvi os aviões e percebi que era  importante face à realidade da época. Fui para a sede do PCP na rua António Serpa. Havia muita gente na rua e os dirigentes do PCP saíram. Juntei-me ao Pedro Soares com quem então trabalhava e, com mais dois camaradas, partimos num carro para a zona oriental de Lisboa. Junto ao então Ralis, um regimento que tinha sido atacado pelos aviões e por várias companhias de paraquedistas. Os paraquedistas não chegaram a atacar tendo ficado por um diálogo muito emotivo. Subi a pé uma ravina e fui perguntar aos populares que se encontravam à porta do RALIS como estavam as coisas. Disseram-me que estava tudo calmo e que os paraquedistas tinham ido para o aeroporto. O Pedro Soares mandou logo seguir para o aeroporto.

Na época, a frente do aeroporto tinha um teto pouco alto onde se encontravam paraquedistas armados. Também havia um porteiro fardado que facilmente nos facultou a entrada. Percorremos um corredor, perguntámos onde estavam os paraquedistas  Na zona de segurança de embarque, um oficial da Guarda Fiscal fez a continência e informou que os comandantes dos paraquedistas se encontravam lá dentro nas instalações julgo que da Guarda Fiscal. Solicitado para que os fosse chamar partiu logo e regressou com os comandantes - 3 Capitães e um Major se não me falha a memória. O Pedro Soares fez-lhes algumas perguntas a que eles responderam gaguejando um pouco. Surgiu então um Alferes paraquedista em grande corrida pelo corredor até nós e disse-nos: já vi que tomaram o aeroporto mas nós no COPCON estamos preocupados com o que vocês tomaram mais. 

Soubemos assim que tínhamos tomado o aeroporto... 




18.2.25

 A MINHA GUERRA IV

Perigosas eram as colunas motorizadas pela picada principal , quase sempre para abastecimento em Mueda.    Nos primeiros tempos que eram os favoritos da Frelimo, as colunas da Companhia foram atacadas  com fornilhos (explosivos), minas e emboscadas. Aí sofremos on nossos mortos e feridos em combate, as outras baixas foram por acidentes vários.    O meu grupo sofreu a primeira -  fornilhos que destruiram completamente a viatura da frente, um jipe,  causando mortos e feridos.

Aprendemos nesse dia o que nos devia ter sido ensinado em Portugal - a viatura da frente deve ser um veículo pesado com atrelado reforçados com sacos de areia.

Quando voltámos em nova coluna  tive que subir para a primeira viatura e ir como apontador da metralhadora pesada apesar de nunca antes ter sequer avistado tal arma.  Nesse dia não era possível  indicar outros para essa missão - estavam demasiado frescas as memórias da véspera.


17.2.25

A MINHA GUERRA III

 Voltando às patrulhas, quero registar que encontrei numa picada, entalhado numa ranhura dum ramo pendente, uma bandeirinha da Frelimo e uma mensagem impressa dirigida aos soldados portugueses explicando que eles combatiam contra o colonialismo português e não contra Portugal ou os portugueses. Acho que ainda os tenho entre  os meus papéis.

Quanto às armadilhas com granadas instantâneas que já referi, quero acrescentar que, nas minhas, nunca caiu nenhum guerrilheiro ou "turra" como eram chamados. Caíram sim, alguns javalis que muito melhoraram o rancho e dois leopardos, de um dos quais tenho a pele cá em casa. O outro ofereci-o ao colega que fazia o mesmo que eu, apesar dos oficiais se acharem com direito às peles sem correrem os riscos pertinentes, mas não tiveram sorte nenhuma.

Segundo a "voz da caserna" informação interna dos soldados normalmente certa, os homens da Frelimo não  cairam  nas armadilhas  porque eles viam tudo o que nós  fazíamos. E é uma boa explicação para muita coisa.

16.2.25

A MINHA GUERRA COLONIAL II

Em Muidumbe, como furriel atirador, fazia regularmente rondas nocturnas aos postos de sentinela, batidas ao campo de aviação para ver se não havia minas, abastecimento de água e mais um pormenor ou outro. Mas as tarefas principais eram as patrulhas pelas picadas e as colunas motorizadas para ir buscar abastecimento a Mueda. 
Por norma, as patrulhas eram feitas por um grupo de combate ou pelotão - 20 e tal soldados e cabos, 2 furrieis e um alferes milicianos. Era pois, uma guerra de milicianos e soldados, todos amadores. 
As numerosas patrulhas pelas picadas pedonais em que participei foram pacíficas. Apenas uma vez tive que levantar uma armadilha - uma granada de mão e um fio de tropeçar na picada. O homem da frente teve bom olho e a minha parte foi fácil. 
As patrulhas que duraram 2 dias tiveram o grande inconveniente de dormir no mato, no chão por vezes molhado - muito desconfortável. 
Com mais história foram algumas patrulhas pela picada das viaturas, que se fizeram para proteger colunas motorizadas que vinham depois. Uma noite à partida para uma daquelas patrulhas, não havia maneira de decidir quem iria à frente porque, diziam os soldados, a emboscada era certa uma vez que tinha havido muito movimento de viaturas e a Frelimo via tudo. Num impulso, com a arma em riste, pus-me a caminho sem olhar para trás. O pessoal teve que me seguir embora com distância. Duas ou três horas depois, já próximo do fim que nos havia sido marcado, e quando começou a clarear, pensei - já posso fumar um cigarro - e levei a mão ao bolso, ficando com espingarda mal segura, só numa mão. 
Então rebentou o Mundo, o sopro das granadas atirou-me de cu para o chão e senti vibrar o chão da picada com a entrada das balas. Não sofri nem um arranhão. Após a aproximação dos primeiros soldados, entrámos no mato e vimos um pequeno abrigo com 2 carregadores vazios de espingarda automática, muitas cápsulas de balas e várias cavilhas de granada. Tive enorme sorte. Houve quem dissesse que tinha uma estrelinha na cabeça. 








 A MNHA GUERRA COLONIAL

O meu neto e a minha neta acharam muito engraçada a pele de leopardo que lhes mostrei. Talvez um dia queiram saber mais sobre a participacão do avô na guerra colonial.

Embarquei  em Lisboa no paquete Vera Cruz em 12 Janeiro 1966.

Era um jovem furriel miliciano atirador formado na Escola Practica de Cavalaria de Santarém. Não sabia nada de guerra e muito pouco da vida. .Tinha a cabeça cheia de livros mal lidos e achava que a guerra era uma aventura tipo Hemingway.

Nos primeiros dias vomitei as tripas.  A instalações, julgo que de 2ª classe,  eram razoáveis e a. comida excelente, a melhor que a tropa me deu em 4 anos.

A viagem foi longa. Escala em Luanda, Lourenço Marques e Nacala e desembarque em Mocimboa da Praia, Cabo Delgado. Logo de seguida, transporte para Mueda, sede do Batalhão, da base aérea e mais umas miudezas militares.  Era a terra dos Macondes. etnia valente e guerreira que tinha sido vitima de um massacre histótico - populacão reunida, com reivindicações,  frente ao posto do administrador que, para final de conversa, mandou os cipaios disparar sobre a muitidão.  Os Macondes fugiram então para  o mato e para a Tanzania e viriam a constituir a melhor  parte dos guerrilheiros da Frelimo.

Em Mueda troquei de arma com um membro da companhia que fomos render - entreguei a velha mauser - e recebi uma FN belga, irmã da nossa G3. Julgo que fui o único a receber a FN - acasos,

Não sei como, coube à minha secção, 9 ou 10 homens,  ir guarnecer as águas de Mueda. Isolados, um pequeno acampamento no meio do mato e mal defendido, achei eu.

Aguentámos, talvez uma semana e não aconteceu nada.  Outros com menos sorte foram lá atacados pela guerrilha.

Logo de seguida, coluna militar. pela estrada de terra batida, alguns kilómetros de mato e chegada a Mui.dumbe - a nossa casa cerca de um ano.

Muidumbe era então um quartel militar com algumas casas, um pequeno e rudimenter campo de aviaçao e umas palhotas no centro. Os oficiais e sargentos ocuparam a melhor casa, que tinha pertencido ao administrador; os furrieis amontoaram-se numa pequena casa sem portas nem janelas e os soldados foram para os grandes barracões de lata.

Nas outras casas, em mau estado,  tínhamos a cozinha e o forno rudimentares, os abastecimentos, as transmissões e o posto de enfermagem.

Em termos militares, mesmo um ignorante como eu, via logo que a defesa era muito deficiente - tudo o que havia era uns  abrigos, raros e de tamanho mínimo.  Mas Muidumbe nunca foi atacada no nosso tempo. Julgo que nos valeram as armadilhas com granadas instâtaneas que eu e outro colega com um curso ridículo de minas e armadilhas, colocámos em todas as picadas de acesso e nas clareiras das redondezas. E devo dizer que colocar e levantar   armadilhas  destas, é extremamente perigoso. Mais do que uma vez estive a milimetros de as accionar como aconteceu noutros lados com as respectivas consequências.

A alimentação era igual para toda a gente e, é claro, muito deficiente. Raramente havia alguma coisa que não fosse salsichas e carne afiambrada com arroz ou massa. Algumas vezes a minha refeiçao foi uma lata grande de fruta que se dizia ser. oferecida pela África do Sul mas que para nós era paga. De manhã cedo podíamos comer  mangas que caíam das mangueiras durante a noite. eram poucas mas boas.Eu também apreciava as rações de combate porque tinnham um pouco de chouriço e queijo mas isso era só  quando íamos para o mato Por sorte havia um soldado ou cabo que era um óptimo padeiro. Nós tínhamos bom pão e ele  livrou-se de ir para o mato.  Havia uma nascente de água a pouca distância do quartel, na descida para o vale e todos os dias ia um grupo fazer o abastecimento que dava para o gasto geral com banhos rápidos. Quando chovia o suficiente havia banho colectivo na rua.

No quartel a "mão de obra especialiata" formada pelo Exército em poucos meses, era constituída pelos furrieis milicianos, um de Transmissões, outro de Mecânica tambémo o Vagomestre e ainda o Enfermeiro. A propósito, dizia-se que a cada companhia cabia um médico mas ficaram todos em Mueda , por  isso o enfermeiro era o nousso doutor como lhe chamávamos com amizade.



24.11.21

 CRÓNICAS DE VIDA

Memo. 

2 mandatos na Comissão Nacional de Trabalhadores do BTA

1 mandato  Comissão Coordenadora das Comissões de Trabalhadores da Banca

Vários mandatos Delegado Sindical

1 mandato Comissão de Delegados Sindicais

1 mandato Comissão Sindical de Empresa

1 mandato no Conselho Geral do SBSI

Delegado a vários Congressos do SBSI

Membro da Assembleia Municipal de Oeiras




18.11.21

 CRONICAS DE VIDA   -   IR À ESCOLA DESCALÇO

Um dia fui à escola de pé descalço. Os sapatos normalmente apertavam-me os pés porque eram originários dos meninos em cujas casas a minha mãe trabalhava. Alguns dos rapazes lá da rua andavam sempre descalços e parecia-me muito confortável.

Sim a vida era um bocado dura. A alimentação era bastante fraca, a casa não tinha electricidade e o  saneamento era uma pia ao fundo das escadas. Os meus pais faziam o que podiam pelos dois filhos mas podiam pouco. Tinham vindo do campo e eram analfabetos. Nao havia um livro na casa em que me criei.

Isto deixa marcas para a vida.


21.6.11

MEMÓRIAS DE UMA GUERRA QUE NÃO DEVIA TER ACONTECIDO (III)

Há dias fui chamado ao quartel aqui da terra para depor sobre um processo de "stress pós traumático de guerra" relativo a um soldado do qual obviamente não me lembro.

Entre os episódios que o marcaram, conta ele que durante uma emboscada que nos causou alguns mortos e feridos, lhe caiu em cima uma bota ensanguentada.

Deve ser verdade porque o pequeno jipe que ia na frente da coluna foi pelos ares juntamente com os soldados que o ocupavam.

Foi um erro gravíssimo por ignorância e total inexperiência de todos nós.

Só então aprendemos que na frente da coluna se coloca um camião pesado e mesmo assim reforçado com sacos de areia (até junto aos pés do condutor) para aguentar o impacto das minas ou explosivos. Para se ver como todos os pormenores são importantes, acrescento que o camião levava um reboque também reforçado com sacos de areia, porque o respectivo rodado, sendo mais estreito que o do camião, detonava engenhos explosivos que de outro modo rebentariam com a segunda viatura.

Claro que um pouco de informação ou instrução adequada, ou a presença de alguém com experiência, podia ter evitado este e outos erros iniciais e poupado algumas vidas.

A foto não é minha mas as picadas de Mueda eram exactamente assim com o mato a impedir toda a visibilidade. Também era exactamente assim que se procedia, saltar quando havia tiros ou rebentamentos, e garanto que não era preciso mandar - era automático e rapidíssimo.

20.6.11

MEMORIAS DE UMA GUERRA QUE NÃO DEVIA TER ACONTECIDO (II)

Esta pequena bandeira de papél foi recolhida numa picada, no planalto de Mueda, em 1966.

Estava dobrada, e entalada numa ranhura aberta num ramo de arbusto pendente sobre a picada, mesmo a jeito de ser apanhada.

Estava acompanhada por um pequeno folheto explicando aos soldados portugueses que a guerra não era contra eles mas sim contra o colonialismo português.






19.6.11

MEMÓRIAS DE UMA GUERRA QUE NÃO DEVIA TER EXISTIDO




Já lá vão 45 anos. Mas recordo-me como se tivesse sido ontem.


A cavilha de granada chinesa que se vê na imagem, continua comigo. As outras, bem como os 2 carregadores curvos das automáticas também chinesas foram entregues a quem de direito.


Na madrugada de 11 de Julho de 1966 caminhava eu pela picada Muidumbe/Miteda, bem isolado na frente da coluna porque os soldados sabiam que ia haver ataque e naquela noite não havia força nem argumentos que os colocassem na frente.


Tinha havido muito movimento no acampamento, ia partir uma coluna de viaturas que a nossa patrulha apeada ia proteger, e os nossos soldados/camponeses de instintos apurados, sentiam que o pessoal da Frelimo observava tudo e não ia perder a oportunidade.


Depois de caminhar 2 ou 3 horas no escuro com a minha espingarda belga FN bem aperreada nas duas mãos, vi que amanhecia e finalmente podia fumar um cigarro. Levei a mão esquerda ao bolso da camisa e fiquei com a arma mal segura na mão direita.


Então rebentou o mundo. Várias explosões à minha frente atiraram-me de cu para a picada. Sentado e completamente estupidificado senti o chão a estremecer junto às pernas com o impacto das balas. Nenhuma bala, nenhum estilhaço de granada me acertou.


Quando alguns soldados se acercaram finalmente de mim, entrámos no mato e, a poucos metros, vimos o abrigo simples dos guerrilheiros e as cavilhas das granadas e os dois carregadores vazios.


Sorte pura.










24.5.11

O MENINO FOI À FEIRA



Levaram o menino à feira e tiraram o retrato. Há pouco tempo... para aí uns 65 anos...

15.5.11

TROPA

Alguém conhece este lindo recruta?

Com os papéis mais ou menos arrumados, vou começar a "digitalizar-me".

22.4.11

25 DE ABRIL, SEMPRE



O "25 de Abril" não começou em 1974. Isto, por exemplo, é material de 1969.




10.5.10

CRONICAS DE VIDA - O LAGAR DE AZEITE

Aprendi pouco na Escola Ind. e Comercial de Portalegre. Culpa minha por ser cabeça-no-ar e culpa dos professores que pouco ensinavam e tinham a lata de me dar notas altas. Apesar disso, logo que acabei o curso comercial, fui recrutado por um comerciante de Tolosa a quem chamavam o campeão porque queria comprar tudo e meter-se em todos os negócios. Negociava em lenhas, carvões e cortiça Depois também azeite, com muito mau resultado. Queria sempre receber antecipadamente e assim ficava nas mãos dos compradores/credores. Achava sempre que o próximo negócio ia resolver tudo. A contratação de um guarda-livros, como chamava a um garoto de 15 anos que não sabia nada de nada, foi considerada uma prova mais do desenvolvimento dos negócios. No dia da minha chegada, que por acaso não foi em Tolosa mas em Arez onde o campeão tinha comprado um velho lagar de azeite, fui imediatamente apresentado como gerente. Muito devem ter rido o mestre e os operários...

9.5.10

CRÓNICA DE VIDA - A RUA DO CASTELO

( aplicar a nota previa do post anterior ) Cresci, literalmente, na Rua do Castelo, Portalegre. A jogar à bola - uma baliza no portão do castelo, outra no portão da loja, isto é, em lados opostos da rua mas nada frontais, o que tornava o futebol mais difícil , em L. O meu pai, senhor António para toda a gente, era um profissional polivalente e flexível (! ) Quando aprendeu a andar, nos campos de Alegrete, começou a guardar porcos. Mais crescido, tornou-se condutor de carroças. Depois de um acidente, foi para a cidade e, trabalhando para o mesmo patrão, passou a guarda do castelo em ruínas, tratador do cavalo e das galinhas do feitor, guarda e distribuidor das "comedias" isto é parte dos salários pagos em espécie - toucinho, azeite, cereais, lenha... Era ainda jardineiro no palácio e lacaio para todo o serviço quando os marqueses estavam na cidade. Não tinha jeito para nada mas fazia tudo, e a todos obedecia de boa vontade - ao marquês e à marquesa, ao feitor e às criadas. E à minha mãe, claro. Só no uso do chapéu resistia à mulher. Gostava e pronto. Mesmo que na cidade mais ninguém usasse. Agora também eu uso. Porque gosto e como lembrança dele. O meu pai gostava de me ver jogar à bola, mesmo quando sujávamos as paredes que ele tinha acabado de caiar. E avisava quando vinha a polícia. Punha alcunhas significativas. Cá em casa tínhamos a raposinha e a cotovia. Eu, na época da rua do castelo, era o ouriço cacheiro. Acho que ainda sou - cheio de espinhos.

8.5.10

CRÓNICAS DE VIDA - A APANHA DA AZEITONA

(este post é para uma nova secção e só deve interessar a 2 ou 3 pessoas. Aos outros leitores, que também só devem ser outros 2 ou 3, sugiro melhores leituras como o anónimo sec XXI , o tempodascerejas, etc.) Pelos meus 7 ou 8 anos fui, com toda a família, apanhar azeitona para a fazenda do meu avô materno - Bartolomeu Ferro. Lembro-me dele como um velhote pequenino, austero e duro. Alugou um terreno inóspito e duro como ele. Os meus tios, todos trolhas e pedreiros, construíram uma casa, partiram pedra até encontrar um fio de água que levaram até à parte baixa do terreno, aí construíram um grande tanque para regar a horta que semearam. O meu avô também fez plantar oliveiras, árvores de fruto e erguer capoeira e pocilga. Tudo com a maior parte dos salários dos meus 5 tios mais o trabalho de fim de semana de toda a família ( mais 2 raparigas). Quando todos casaram, a mão-de-obra gratuita duplicou. Com todo este suor se construiu uma boa fazenda que depois reverteu totalmente para o dono do terreno. Eu gostava de ir para lá. Ao lado da casa havia uma eira, e eu fartava-me de chutar a bola contra a parede da casa. Também adorava comer pequenos morangos silvestres que descobria debaixo das folhas verdes nos regos da água, perto do tanque. E figos pingo de mel de uma pequena figueira isolada. Lembro-me disto porque não tinha tais mimos em casa. Sem nunca passar fome, não passava do mais básico e mais barato. Por isso, no dia da apanha da azeitona - eu enchi uma tigela de barro - também comecei a salivar quando, à merenda, o meu avô se pôs a assar um belo chouriço no espeto e ia recolhendo o respectivo pingo num grande pão alentejano. O velho Bartolomeu deve ter visto os meus olhos gulosos e perguntou-me : rapaz, encheste a tua tigela de azeitona, agora queres pão com molho ou com chouriço? Lembro-me perfeitamente da minha resposta: quero pão com molho e com chouriço.

5.5.10

AMIGOS - VACAS LETRADAS

Cristóvão R. é um bom amigo e um excelente presidente associativo. Culto e grande leitor, é dono de uma respeitável biblioteca e gosta de emprestar livros porque acha que eles foram feitos para ser lidos - quanto mais, melhor. Agora é fácil guardar e emprestar livros, mas nem sempre foi assim. Os jovens devem achar estranho, mas, antes de 25 de Abril de 1974, havia muitos livros proibidos, edições inteiras eram apreendidas pela pide, e por arrasto iam muitos outros livros sem interesse político, apenas para castigar e prejudicar. Os livreiros escondiam o que podiam debaixo do balcão para os clientes certos. Nas casas particulares, as rusgas da pide também se dirigiam aos livros que serviam para incriminar os proprietários. Era o tempo em que os livros do Karl Marx apareciam sob o nome de Carlos Marques e os de Lenine como V. Ilitch. Tudo isto para explicar porque era importante e necessário esconder os livros proibidos para depois os por a circular. Ora a família do Cristóvão R. explorava uma quinta no local onde hoje estão as Torres de Lisboa, à Estrada da Luz, e ele aproveitou a vacaria e a respectiva palha para esconder as edições perigosas de um conhecido e já falecido livreiro de Lisboa. Por isso ele hoje diz que até as vacas tiveram oportunidade de ler os melhores livros da época.

3.5.10

AMIGOS - AS MALAS DA ESCOLA

Conheci mal o o Armando C. , mas lembro-me que me recebia sempre como um amigo quando acontecia passar pela dependência da Gomes Freire. Soube agora que, não dando nunca nas vistas (como convinha) o Armando era um dos homens que fazia circular os jornais e manifestos clandestinos. Como a tantos outros, a pide bateu-lhe à porta pela manhã. Valeu a coragem e sangue frio da esposa - pediu aos esbirros que a deixassem mandar os miúdos para a escola e rapidamente encheu-lhes as malas (ainda não se usavam mochilas) com todos os papeis clandestinos que conseguiu reunir. Dessa vez a pide falhou. E a escola teve material original.

2.5.10

AMIGOS - O HOMEM DO CASAL VENTOSO

Vivia no Casal Ventoso e dava-se muito bem no bairro. Aceitava as pessoas como elas eram e tinha imensos amigos. Dirigente do clube Andorinha, estava sempre a organizar coisas que ou começavam ou acabavam num petisco e num copo. Muitas vezes o programa até era apenas esse. Mostrou-me o bairro e explicou-me que os drogados e os dealers faziam parte da paisagem e alguns, sim senhor, eram de lá, como havia ratoneiros e demais banditagem mas a maioria esmagadora dos habitantes eram bate-chapas e carpinteiros, criadas e peixeiras - um bairro operário muito modesto e cheio de carências além da má fama. Ajudou-me muito quando estivemos juntos nas lides sindicais. Quando me via muito chateado ia ter comigo e, à saída, bebíamos um copo e comíamos um pastel de bacalhau ali pela baixa. Adorava ver as montras de ferramentas e explicava-me o jeitão que aquelas coisas davam para isto e para aquilo. No trabalho era competente e modestíssimo como em tudo o mais. E tinha uma particularidade. Depois do almoço adormecia 5 minutos frente ao computador. Mas com o dedo na tecla certa. Se o chefe se aproximava para o confrontar, não tinha sorte nenhuma - ele pressentia a aproximação, premia a tecla e o trabalho avançava imediatamente e certíssimo. Até sempre, amigo e camarada António Almeida.

29.4.10

CRONICA DE VIDA - O TARRAFAL DA AV. DA REPUBLICA

Em 1984, depois de 4 anos na Comissão de Trabalhadores, e quando me apresentei no meu local de trabalho, fui transferido compulsivamente para o "Tarrafal " do departamento de estrangeiro do BTA, isto é a subsecção de estatística cambial. Sobrestimando a minha capacidade, decidiram impedir que eu subvertesse novamente a minha secção de sempre e uma das maiores do departamento. A estatística estava instalada num pequeno espaço isolado nas traseiras do último andar para que a quarentena fosse eficaz. Aí fui encontrar o Carlos porque era muito nervoso e armava grandes confusões no anterior local de trabalho; o Rui porque era um bocado duro de roer e o anterior chefe apanhou uns sustos; o Gil porque era toxicodependente e o João porque sempre tinha feito aquele trabalho sob a maior indiferença de toda a gente. O trabalho consistia no registo manual, em fichas de cartão, das cambiais proporcionadas por cada um dos clientes. Os valores estavam errados desde há muito e assim permaneciam porque as novas operações eram somadas aos saldos anteriores. Ninguém se ralava. Não havia chefia directa nem qualquer controlo e todos os interessados sabiam que aqueles dados não eram reais. O nosso trabalho valia zero. Era como subir a montanha com o barril cheio de água e, lá no alto, despeja-la no chão. Um dia resolvemos pôr o raio da estatística em ordem. Afinal nenhum de nós estava ali por ser burro ou mau trabalhador. Começámos por ir ao Apolo 70 comprar esferográficas finas porque as do banco eram demasiado grossas para os minúsculos quadrados das fichas. Depois trancámos todas as fichas e abrimos novas para todos os clientes e passámos a fornecer dois números - o saldo antigo sob reserva e o novo com garantia. Após algum tempo os saldos antigos e errados foram caindo em desuso e os colegas do crédito da sede e dos balcões habituaram-se com óbvio agrado a dispor de uma informação fiável. Apesar de nós não termos informado ninguém, é mais do que certo que os chefes do departamento depressa souberam da nossa iniciativa e da qualidade do nosso trabalho mas também nunca disseram nada e continuaram a tratar-nos o pior que lhes era possível de acordo com a nossa condição de proscritos. Anos depois, encontrei o Carlos já reformado, com óptimo aspecto e como sempre muito bem vestido de fato e gravata. O Rui conseguiu realizar o seu grande objectivo e foi trabalhar para os computadores, à noite. O Gil morreu de overdose e foi uma das melhores pessoas que eu conheci. O João reformou-se e, no mesmo dia, deixou o banco, a família, a casa e a cidade. Tenho saudades de todos.

4.3.10

BANQUEIROS E BANCÁRIOS

Hoje é nítida uma nova camada social em Portugal. Não detêm os meios de produção e no fundo são assalariados mas têm tudo a ver com a classe dominante capitalista e nada com os trabalhadores.

Há poucos dias dizia Artur Santos Silva, presidente do BPI, que tem menos do que 0,1% das acções do banco. Portanto, tecnicamente, é um bancário e não um banqueiro, como outros da praça.

Acontece é que se trata de todo um grupo social composto por administradores e directores de primeira linha que, na banca e nas outras grandes empresas, se identificam e servem totalmente os accionistas dos quais dependem. Apesar de o não serem, têm uma actuação de patrões e assumem o poder, muitas vezes com maior arrogância do que os capitalistas que servem.

E fazem-se pagar principescamente. Acima do que se pratica na Europa realmente desenvolvida.

Isto compreende-se melhor se formos às origens.

Em Portugal começou (com esta dimensão) quando das desnacionalizações da banca. Alguns dos últimos gestores dos bancos nacionalizados, incluindo presidentes, prepararam a entrega dos mesmos aos privados ( por tuta e meia) e continuaram depois a geri-los para os novos patrões.

Nestas condições, as equipas de gestão começaram a ganhar o que queriam.

Depois o movimento alastrou às grandes empresas públicas e privadas e hoje mantém-se porque os gestores, intimamente ligados aos partidos do poder, continuam a proporcionar grandes lucros e mais-valias aos patrões accionistas.

Estas remunerações não têm nada a ver com o mérito que alguns gestores, e só alguns, possam ter. Estão muito acima disso. Não têm correspondência com o trabalho prestado nem com os resultados alcançados. São uma fraude.

A solução não é difícil e é fornecida pela progressividade dos impostos - acima de um montante razoável, imposto de 100% . Acabava logo o regabofe.

É óbvio que a tributação de 50%, só para prémios e só para bancos, não passa de demagogia para iludir o pagode.

30.1.10

CRÓNICAS DE VIDA - BISAVÔ

Hoje apresento o bisavô Joaquim a duas meninas, leitoras deste blogue. Eram assim os rurais alentejanos há cem anos. Julgo que, neste caso. se tratava de um guardador de gado. A foto está assinada: Silva Nogueira - Rua D. Pedro V, 18-20 Lisboa e é mais do que certo que o artista se deslocava ao Alentejo e possivelmente montava atelier nas feiras. Por mim, sinto-me muito perto e muito parecido com o meu avô. E aquele cajado dava-me um jeitão, tantas vezes...

12.1.10

CRÓNICAS DE GUERRA - M/S VERA CRUZ

Faz hoje 44 anos que este mocinho quase imberbe e totalmente inconsciente embarcou no paquete Vera Cruz com destino a Moçambique e à guerra colonial. Levava a cabeça cheia de romances mal lidos e mesmo com o Hemingway e o Steinbeck não tinha aprendido nada. Em suma, julgava que a guerra era romance e aventura e ele o protagonista...

28.11.09

CRÓNICAS DE VIDA - SINDICALISMO NO TOTTA

Apesar das lutas sindicais desenvolvidas pelos bancários, verificavam-se bloqueios na negociação colectiva em consequência da aliança estreita entre o grémio e o governo, este alicerçado nas respectivas policias. Tornou-se assim necessário avançar com reivindicações, nomeadamente salariais, em cada banco. No Totta não ficámos para trás. Graças à forte consciência social já adquirida e com base numa boa rede de delegados e de activistas sindicais, foi lançado um forte movimento reivindicativo pelo aumento dos salários. A conclusão verificou-se em Março de 1974 ´- já cheirava a cravos. Conseguimos um mês de salário extra com o mínimo de 8.000$00. A ordem de serviço acima reproduzida é o certificado da vitória. A honra principal vai para a Comissão de Delegados Sindicais e aqui fica a sua primeira constituição: Francisco Patrício Carlos Grilo Jaime Félix Flores Tavares Carlos Martins

25.11.09

CRÓNICAS DE VIDA - SINDICALISMO E RESISTÊNCIA

Para os que nasceram já na Liberdade conquistada, e para que percebam melhor os posts anteriores, transcrevo, da circular cujo cabeçalho acima reproduzo: " DOIS CASOS DE TORTURA Transcrevemos a seguir dois relatos das torturas sofridas por presos políticos na DGS (pide), durante o ano de 1971 ....... 2. Daniel Isidro Figueiras Cabrita " Isolamento: 76 dias em regime de isolamento, 70 dos quais completamente só. Interrogatório: tortura do sono durante 22 dias sendo distribuídos 4-13-1-2-1-1 . No período dos 13 dias deixaram-me dormir à 5ªnoite na própria sala dos interrogatórios. Esta tortura provocou-me alucinações . Tortura de estátua - estive por tempo que sou incapaz de determinar, embora julgue que não foi por muito tempo. Provocou-me grande inchaço nos pés e "aparecimento das veias" por todo o corpo. Um dos sapatos rebentou. Fui agredido - uma bofetada e recebi ameaça de agressão com matraca (exibindo-a junto da minha cara), durante a tortura do sono, senti fortes perturbações na visão. Também neste período, porque me obrigaram a andar para não cair de sono, fui, a "dormir" contra uma das paredes da sala, provocando forte contusão no nariz com pequena hemorragia. Visitas: concederam-me apenas, durante o período de isolamento, 1 visita semanal... Perturbações físicas: após os interrogatórios: fortes manifestações reumáticas... ... atribuo o reumatismo à humidade da sala de interrogatórios aliada ao facto de me obrigarem aí a quase completa imobilidade por grandes períodos de tempo. ....por último, resta acrescentar que a minha detenção foi feita por 2 agentes da Pide, sem que me apresentassem mandato de captura, seguidamente, sem mandato, foi-me passada busca na minha residência... " Daniel Cabrita era então presidente do Sindicato dos Bancários. Eleito em 12 de Março de 1968.

22.11.09

AMIGOS - FERNANDO HENRIQUES - MEMÓRIA

Sem mácula Como trabalhador, como amigo e como camarada foi sempre o melhor, o mais disciplinado o mais constante e cumpridor. E o mais modesto. Raramente falava. Nunca se pôs em bicos dos pés. No banco prescindiu de lugares de chefia. Bastava-lhe o seu trabalho exacto e sem erros. O Banco de Portugal - exigentíssimo ao nível do trabalho de carteira - nunca tinha nada a apontar ao seu trabalho no "redesconto". No trabalho partidário, no apoio ao trabalho sindical, nunca teve uma falha. Sempre presente. Sem mácula. A UBR - União de Bancários Reformados não existiria sem o trabalho que o Fernando fez. Metódico e trabalhador incansável, a tudo metia mãos. Tratou da tesouraria, fez as fichas, os cartões, a correspondência, os primeiros comunicados. Simplesmente as coisas apareciam feitas. Um pouco individualista, talvez. Mas como não o ser, se fazia quase tudo em casa? Além disso há tarefas que são como os bons cozinhados - só podem ter um autor. Há meia dúzia de anos, o pequeno número de velhos camaradas que se vê na foto comemorou, na Casa do Alentejo, um aniversário do Fernando Henriques. Nunca tivemos ideia melhor.

20.11.09

AMIGOS - FRANCISCO PATRÍCIO - MEMÓRIA

Chico coragem Os anos 69 a 74 do século XX foram , em Portugal, um quinquénio memorável para a minha geração que ia então entre os vinte e os trinta anos e portanto tinha nascido e vivido na era da ignorância e do medo. Graças à censura e ao ensino iníquo que vigoravam, não sabíamos nada do que se passava no país e no mundo. E o medo estava sempre presente, desde sempre. Primeiro dos polícias da rua, dos professores, dos padres. Mais tarde, dos patrões, da pide, dos bufos, da polícia de choque. Foi pelo medo e pela ignorância geral que o regime fascista e colonialista se manteve durante 48 anos. Ser ignorante é terrível. Viver com medo ainda é pior. Nunca hei-de esquecer a primeira grande lição do amigo e camarada Francisco Patrício: - "um homem de joelhos só vale 1/3 ". Com o Chico aprendi a vencer o medo. Talvez melhor, a fazer o que era preciso e era justo, apesar do medo. Com o Chico participei em muitas lutas sindicais, manifestações de rua, sessões de cinema clandestino em casas particulares, no Cineclube Imagem, em romagens de 5 de Outubro ao alto de S. João, nas campanhas da CDE, em todo o tipo de reuniões, desde tascas do bairro-alto ao palácio do Marquês de Fronteira. E na empresa, claro. No departamento de estrangeiro do Totta era do Patrício a voz que se fazia ouvir nos momentos importantes. Era dele a grande gravata vermelha - manifestação possível no 1º de Maio. Homem de grande coragem física e moral, o Chico estava sempre na linha da frente. Alguma indisciplina e alguma anarquia que temos que reconhecer-lhe, filiavam-se na sua grande ânsia de liberdade. Nada o sujeitava, nada o limitava. Generoso e livre entregava-se totalmente - ao sindicato, ao cinema, à reforma agrária, a tudo. Inevitavelmente, bateu muitas vezes em muitas paredes. Mas viveu sempre como um homem livre, nunca ajoelhou. Dizia-me, às vezes, nas reuniões, que eu estava sempre a olhar para a porta. E tinha razão. A guerra colonial fora há pouco tempo e eu, em todo o lado, queria ter sempre uma parede nas costas e todas as saídas debaixo de olho. Nas manifestações, colocava-me sempre em posição de fuga. Tinha especial medo dos cães que a polícia de choque, por vezes utilizava na sua primeira linha de ataque contra nós. Vinham de bocarra aberta, a babar-se, e dizia-se que os deixavam à fome quando esperavam saídas. Lembro-me com exactidão de, na Rua do Ouro, a cabeça de uma manifestação estar a hesitar, a ameaçar debandar cedo demais e eu com eles, quando senti alguém dar-me o braço e fazer-me aguentar a primeira linha. Olhei para o lado. Era o Chico Patrício. Claro.

15.11.09

AMIGOS - MEMÓRIA DE CARLOS GRILO ( I )

Simplesmente brilhante No banco ou no sindicato, as reuniões e assembleias eram preparadas com atenção. Discutiam-se os temas, as propostas, as intervenções. Indicavam-se os oradores. O Carlos Grilo, absorto, observava o tecto, puxava a barba. Mesmo interpelado directamente para se encarregar de uma intervenção, respondia no máximo com uma interjeição. Julgávamos que ele nem ouvia e portanto não ia falar. Mas, na assembleia ou reunião, no momento oportuno, o Grilo pedia a palavra e a intervenção saía límpida e convincente. Simplesmente brilhante. Haverá um ano, o Carlos veio almoçar comigo. Recebeu muitos telefonemas porque o sector pelo qual respondia estava a organizar uma reunião importante. Respondeu sempre de maneira muito clara e precisa. Terminou sempre com uma nota de bom humor, uma pequena gargalhada. Estava em grande forma. Voltámos a encontrar-nos nos corredores do Campo Pequeno, durante o último Congresso. Explicou-nos (éramos um pequeno grupo) que saía do C.C. porque era boa altura e porque havia que dar entrada a outros. Ele continuava disponível para tudo o que fosse preciso. Não nos falou de doenças. Estávamos contentes. Trocámos piadas. Ouvi, pela última vez, aquela gargalhada forte e rápida. Adeus, camarada.

14.11.09

AMIGOS - MEMÓRIA DE CARLOS GRILO ( V )

Nacionalização da Banca Março de 1975. Depois da nacionalização, reabrimos o Banco Totta & Açores. Pela manhã, recebemos os colegas - entrava-se pela Rua da Conceição - e tu notaste que não se podia simplesmente entrar e ir trabalhar. Com a nossa ajuda, trepaste para o balcão de mármore cinzento. E disseste que tinha começado uma nova era. Que não se trabalhava mais para os banqueiros, para o velho grupo monopolista. A partir de então íamos trabalhar, com orgulho, para o povo português. Todos te aplaudimos. Ainda hoje. Obrigado, camarada Carlos Grilo.

13.11.09

AMIGOS - MEMÓRIA DE CARLOS GRILO ( I V )

Retaliação Como retaliação pelo êxito das greves dos 5 minutos ( ver post) a Administração do BTA mandou instaurar uns quantos processos disciplinares. Num gabinete do espectacular hall do edifício dos leões, o inspector quase nos pediu-nos desculpa - as lutas sindicais davam-nos já algum prestígio. Foi um procedimento muito rápido - a greve tinha sido muito clara e nós assumimo-la. Repreensões registadas. Nada de grave. Anos mais tarde, com a Comissão Sindical relativamente forte, alguém se lembrou de exigir a anulação das repreensões e sua eliminação dos nossos cadastros. Teve que ser o Carlos Grilo a opor-se. Obviamente tinha razão. As sanções estavam (ainda estarão?) muito bem nos nossos cadastros. São pequenas medalhas duma guerra honrosa.

AMIGOS - MEMÓRIA DE CARLOS GRILO ( I I I )

Greves de 5 minutos Nas reuniões das quartas-feiras, discutiu-se acaloradamente o tipo de greve a fazer. Os "radicais" queriam grandes greves, de dia inteiro ou mais. Os "realistas", com outras ligações e algum conhecimento de outras "guerras" bem duras, propunham acções de poucos minutos. Foi preciso ir a votos. Ganharam os "realistas" - o Grilo e eu entre eles. E as greves foram muito bonitas. Em não sei quantos dias, no regresso da hora do almoço, foi possível concentrar muitos trabalhadores à porta dos bancos e aguentar, rigorosamente, os minutos marcados. No BTA, na porta dos leões ( o Grilo e eu trabalhávamos então nesse edifício) tivemos a "ajuda" do director de pessoal e de um administrador. Vieram para a porta, aos gritos exigindo a entrada dos trabalhadores. Com tal acção e derrotados, contribuíram fortemente para o enorme impacto da pequena/grande greve.

12.11.09

AMIGOS - MEMÓRIA DE CARLOS GRILO ( I I )

Pequena tarefa, grande vitória Num já longínquo dia do início dos anos 70, o Carlos Grilo e eu, fomos distribuir um documento do MDP-CDE na baixa de Lisboa. Por essa altura o movimento produzia muitos textos, sobre a guerra colonial, os presos políticos, a situação económica e social. Normalmente eram distribuídos apenas no banco mais ou menos discretamente. Mas daquela vez havia muito papel pelo que decidimos ir para a rua. Obviamente não foi um acto heróico - já se respirava alguma abertura - mas a pide, os seus informadores, a legião, as polícias todas, estavam em funcionamento e ainda metiam medo, pelo menos a mim. Lá fomos. À hora do almoço. Cada um com um molho de documentos. Começámos junto à Praça do Comércio, já não sei se na Rua do Ouro ou da Prata. Cada um em seu passeio, começámos a subir. Ao princípio, os papéis custavam a sair-me das mãos - olhava muito para as caras dos receptores à procura de sinais de perigo. Mas olhava para o outro passeio e o Grilo avançava, sorria e fazia-me sinais de incitamento. Foi uma pequena tarefa. Mas para mim, foi uma grande vitória sobre o medo.